Pro Jaqueline Gomes de Jesus
Correio Braziliense - 18/01/2012
Em 29 de janeiro é comemorado em todo o Brasil o Dia da Visibilidade de
Travestis e Transexuais, reconhecido por organizações sociais e
representações do governo federal, como o Ministério da Saúde — que em
2004 lançou a campanha nacional Travesti e Respeito, a fim de promover o
respeito à sua condição.
Apesar de haver pessoas transexuais nos diferentes espaços sociais,
políticos, técnicos ou acadêmicos, a sua visibilidade, nos meios de
comunicação em particular, é concentrada no aspecto marginal ou
criminal, e pouco no cotidiano e demandas.
Pessoas transgênero (travestis ou transexuais) que buscam legalmente
adequar o seu registro civil ao nome e ao gênero com o qual se
identificam encontram obstáculos desumanizadores, sendo em geral
demandadas, mesmo as que não desejam, a se submeterem a arriscadas
cirurgias de redesignição genital para que lhes seja concedido o direito
fundamental à identidade. Isso, além de ser uma violência
institucional, é uma prática eugenista de esterilização forçada contra
um grupo populacional, em pleno século 21.
O pequeno espaço conquistado por homens transexuais (pessoas que
reivindicam o reconhecimento legal e social como homens) e mulheres
transexuais (pessoas que reivindicam o reconhecimento legal e social
como mulheres) é fruto de mobilização, geralmente individual, pelo
mínimo respeito a suas especificidades e direitos fundamentais.
Esse não é um detalhe qualquer, e também não é suficiente para melhorar
as condições do grupo. A sociedade em que vivemos dissemina a crença de
que os órgãos genitais definem se uma pessoa será homem ou mulher.
Porém, essa construção do sexo não é um fato biológico, é social.
Para a ciência biológica, o que determina o sexo de uma pessoa é o
tamanho das suas células reprodutivas (pequenas — espermatozoides —,
macho; grandes — óvulos —, fêmea), e só. Biologicamente, isso não define
o comportamento masculino ou feminino das pessoas: o que faz isso é a
cultura, a qual define alguém como masculino ou feminino, e isso muda de
acordo com a cultura de que falamos.
Mulheres de países nórdicos têm características que para nossa cultura
são tidas como masculinas. Ser masculino no Brasil é diferente do que é
ser masculino no Japão ou mesmo na Argentina. Há culturas para as quais
não é o órgão genital que define o sexo. Ser masculino ou feminino,
homem ou mulher, é uma questão de gênero. Logo, o conceito que importa
para entendermos homens e mulheres é o de gênero.
Muito ainda tem de ser enfrentado para se chegar a um mínimo de
dignidade e respeito à identidade das pessoas transexuais, que vai além
dos estereótipos.
No que especificamente se refere às mulheres transexuais, não há
informação oficial de como órgãos públicos que representam as mulheres,
como secretarias, seja em nível federal ou local, têm-se articulado para
pensar e tentar auxiliar essas mulheres no que envolve a possibilidade
de serem atendidas nas delegacias especializadas; a proteção pela Lei
Maria da Penha; o respeito à sua identificação no trabalho e em outros
espaços.
Em termos de comunicação de massa, não seria útil uma campanha
defendendo o direito de todas as mulheres, biológicas ou não, à
dignidade e a serem respeitadas como mulheres? Essa é uma grande
preocupação das mulheres transexuais, que tantas vezes sofrem por não
serem tratadas como mulheres.
Falando brevemente sobre ações do governo federal, que subscreve o Plano
Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais, observa-se a necessidade de se
aprofundar o cumprimento da Portaria nº 233/2010, do Ministério do
Planejamento, que adotou o nome social de servidores públicos federais
travestis e transexuais, entretanto não foi implementada por alguns
órgãos.
Nota-se também que o formato do novo documento de identidade, o Registro
de Identidade Civil (RIC), expõe o sexo das pessoas. Isso não existe no
atual RG.
O RIC não usa o conceito de gênero, mas o de sexo. O problema é que esse
documento, na forma como se encontra, causará maior sofrimento do que o
atual RG, para todas as pessoas travestis e transexuais que não
conseguiram adequar seus documentos ao gênero com o qual se identificam.
São muitos os desafios para que as pessoas transgênero sejam
consideradas humanas, quiçá cidadãs e cidadãos, neste país.
Jaqueline Gomes de Jesus é psicóloga e doutora em psicologia social e
do trabalho pela Universidade de Brasília (UnB).